Epidemia de Fake News: desinformação em tempos de COVID-19

Segunda-feira, 11 de maio de 2020, participei ao vivo do Jornal da Justiça 1ª edição de 11 de maio de 2020. O assunto foi o enquadramento da desinformação como contravenção penal.

Minha participação ocorreu no 2º bloco do JJ1 de 11mai2020

A fim de me preparar para a participação, elaborei o texto abaixo, a partir das questões gentilmente sugeridas pela produção do programa. Originalmente a pauta estava marcada para sexta-feira, mas foi adiada em razão dos muitos acontecimentos políticos de impacto no dia 08 de maio de 2020.

O termo “desinformação” é mais preciso que “fake news

Tradução de Ângela Pimenta para português do quadro, proposto por Claire Wardle, de classificação dos tipos de desinformação (fonte: Observatório da Imprensa)

O famigerado termo “Fake News” é impreciso e limitado a notícias. Ele não consegue descrever a complexidade dos diferentes tipos de desinformação, um ecossistema em que se faz necessário, inclusive para fins jurídicos, diferenciar, por exemplo, entre o compartilhamento inadvertido de informações falsas e a fabricação deliberada de conteúdo inverídico.

Acolho a proposta de Claire Wardle (atualizada de seis para) sete categorias: 1) falsa conexão; 2) falso contexto; 3) manipulação de contexto; 4) sátira ou paródia”; 5) Conteúdo enganoso; 6) Conteúdo impostor; e 7) conteúdo fabricado.

Produzir e disseminar desinformação sobre COVID-19 tem sido enquadrado como contravenção penal

Em 15 de abril de 2020, o site oficial da Polícia Civil de Joinville (SC) informou ter enquadrado como “falso alarma”, ilicitude tipificada no artigo 41 da Lei das Contravenções Penais – LCP (Decreto nº 3.688, de 1941) a conduta de divulgação falsa de suposta atuação de grupo criminoso na região. A nota, referente à 02ª Delegacia Regional de Polícia, afirma que a falsa notícia de perigo causou “pânico na população, que já sofria com o avanço da pandemia” foi encaminhada ao Poder Judiciário e ao Ministério Público para eventual responsabilização penal mediante prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa.

Uma reportagem listou outros casos de investigações policiais com base no artigo 41 da LCP: em fevereiro, um homem passo-se por profissional da área de saúde e divulgou em uma rede social um número exagerado de pessoas com COVID-19 em Recife; em março, outro sujeito denunciou em vídeo um falso abastecimento na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).

Lembro ainda a divulgação errada sobre a eficiência de um remédio para piolho contra o coronavírus. Qualquer recomendação de tratamento que prejudique a saúde de quem se submeta, ou que possa reduzir a oferta de um medicamento necessário a outras pessoas, poderia configurar lesão corporal ou mesmo tentativa de homicídio.

Na prática, a punição por contravenção, quando aplicada, é restrita à prestação de serviços comunitários ou multa

Há possibilidade para o enquadramento como crime

Não acho que o Direito Penal possa resolver essa questão. Sou mais inclinado a valorizar a cenoura do que o porrete. Por exemplo, há alguns anos defendo que um papel muito eficiente em reduzir a propagação de mentiras e bobagens pode ser delegado à educação digital, que deve incluir e extrapolar o ensino formal e a capacitação profissional, bem como se adequar à cada faixa etária, contexto geográfico, racial e social.

Mas, num contexto sem o abolicionismo penal, se a ideia é aplicar uma punição maior à desinformação, (conforme o excelente levantamento feito por Joaquim Leitão Júnior, Delegado de Polícia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso) podem ser listados outros tipos penais já vigentes na legislação:

  • no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940):
    • os crimes contra a honra calúnia, difamação e injúria (respectivamente, artigos 138, 139 e 140), para os quais que cabe aumento de pena para condutas online, se a Internet for reconhecida como meio de facilitação da divulgação;
    • a denunciação caluniosa (339), com aumento de pena se praticada sob anonimato ou pseudônimo;
    • a comunicação falsa de crime ou de contravenção (340);
    • lesão corporal (129)
    • tentativa de homicídio (14, II; e 121)
    • curandeirismo (284)
    • charlatanismo (283)
  • no Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 1965):
    • impedir ou embaraçar votações (297)
    • divulgação de fatos inverídicos em propaganda eleitoral (323)
    • crimes contra a honra em propaganda eleitoral, com previsão aumento de pena em caso se cometido por “meio que facilite a divulgação da ofensa” (327, III):
      • calúnia eleitoral (324)
      • difamação eleitoral (325)
      • injúria eleitoral (326)
    • denunciação caluniosa eleitoral, com aumento de pena para anonimato ou pseudônimo (326-A)
    • forjar documento (350 e 351)
  • Lei Eleitoral (Lei nº 9.504, de 1997)
    • divulgação de pesquisa fraudulenta (33, § 4º; 34; 35)
    • propaganda eleitoral falsa na internet (57-H)

A desinformação pode colocar vidas em risco

Qualquer recomendação de tratamento que prejudique a saúde de quem se submeta, ou que possa reduzir a oferta de um medicamento necessário a outras pessoas, poderia configurar lesão corporal ou mesmo tentativa de homicídio.

O dolo é elemento central para a aplicação tanto do Código Penal, quanto da LCP. Para que haja configuração do delito, então, seria necessário demonstrar que a pessoa sabia da falsidade da informação e queria produzir o resultado lesivo decorrente da divulgação.

E a questão é mais complexa do que o preenchimento de uma condição jurídica. Não seria viável julgar, em tempo hábil, todos os casos; nem as prisões conseguiriam receber todas as pessoas condenadas.

Na dúvida, basta ter responsabilidade

Sempre houve houve boatos gravíssimos. Um suposto diário de Hitler levou décadas para ser desmascarado como falso. E o livro 1984, escrito há mais de 70 anos, pensou no Ministério da Verdade como um aparato Estatal inteiro dedicado a reinventar a história permanentemente. Mais recentemente, podem ser lembrados os chamados “hoaxes”.

Apesar do evidente volume e velocidade, a novidade ao meu ver não são as desinformações, mas o contrário. O que temos de absolutamente novo é a real possibilidade de se verificar a veracidade de uma informação. Não só apenas grandes empresas de tecnologia ou agências de checagem: qualquer pessoa pode investigar e descobrir se uma notícia é, de fato real, ou fake e, assim, reprimir a desordem de informações.

Eu recomendo uma postura muito simples. Se você recebeu qualquer notícia e achou interessante, só repasse exclusivamente o que você mesmo confirmou em três fontes bem diferentes. Aí, se você achar que vale seu tempo, dedique esse esforço. Mas se entender que não é tão importante assim, leia a notícia e deixe que outra pessoa vai fazer esse trabalho.

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